Neurociências: O Funcionamento Neuronal e a Transmissão de Informação ao Nível Sináptico

Este material de estudo aprofunda o tema do funcionamento neuronal e da transmissão de informação ao nível sináptico, abordando a organização do sistema nervoso em diferentes escalas e a classificação dos neurónios. A Professora Susana Cardoso, da Universidade da Maia, é a responsável por este conteúdo.

Curiosidades sobre o Cérebro e os Neurónios

O cérebro humano é uma estrutura de complexidade extraordinária, frequentemente comparada a uma galáxia. Algumas estimativas notáveis incluem:

O cérebro contém aproximadamente 100 mil milhões de neurónios.
Existem cerca de 10 vezes mais células gliais do que neurónios, com uma estimativa de 1000 mil milhões de células gliais.
Um cérebro adulto humano estabelece entre 100 e 500 triliões de conexões sinápticas.
Os neurónios são metabolicamente muito ativos, utilizando cerca de 20% do total do oxigénio corporal.

1. Organização Macroscópica do Sistema Nervoso

O Sistema Nervoso (SN) é a rede de comunicação e controlo do corpo, dividindo-se em duas grandes partes:

1.1. Sistema Nervoso Central (SNC)

O SNC é o centro de processamento de informação do corpo e é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. Estas estruturas são protegidas por ossos (crânio e vértebras, respetivamente).

Encéfalo: Localiza-se inteiramente dentro do crânio. Uma visão lateral do encéfalo revela três partes comuns a todos os mamíferos:
- Cérebro: A maior parte do encéfalo, responsável por funções cognitivas superiores.
- Cerebelo: Localizado na parte posterior e inferior do encéfalo, importante para a coordenação motora e equilíbrio.
- Tronco Encefálico: Conecta o cérebro e o cerebelo à medula espinhal, controlando funções vitais básicas.
Medula Espinhal: Envolvida pelos ossos da coluna vertebral, é uma continuidade do tronco encefálico. Atua como o principal condutor de informação, transportando sinais da pele, articulações e músculos para o encéfalo, e do encéfalo para estas mesmas estruturas.

Uma ilustração do sistema nervoso central mostra o encéfalo e a medula espinhal como as estruturas primárias, com o encéfalo subdividido em cérebro, cerebelo e tronco encefálico.

1.2. Sistema Nervoso Periférico (SNP)

O SNP é constituído por todos os neurónios que não estão protegidos por osso, ou seja, todas as partes que não são o encéfalo ou a medula espinhal. É composto por gânglios e nervos que se estendem por todo o corpo.

O SNP é dividido em duas partes principais:

Neurónios Sensitivos (Aferentes): Viajam dos nervos sensitivos (conjuntos de axónios) para a medula espinhal e encéfalo, levando informações do ambiente externo e interno para o SNC.
Neurónios Motores (Eferentes): Vêm da medula espinhal e do encéfalo e inervam os músculos e glândulas, levando comandos do SNC para o corpo.

O SNP, por sua vez, subdivide-se em:

1.2.1. SNP Somático

O SNP Somático é composto por todos os nervos espinhais que inervam a pele, as articulações, os órgãos dos sentidos e os músculos voluntários. É responsável pela interação consciente com o ambiente.

Neurónios Sensoriais/Aferentes: Coletam informações da pele, músculos e articulações.
Neurónios Motores/Eferentes: Comandam a contração muscular em resposta a estímulos.

1.2.2. SNP Autonómico

O SNP Autonómico é constituído por neurónios que inervam órgãos internos, vasos sanguíneos e glândulas, controlando funções corporais involuntárias. Divide-se em:

Sistema Nervoso Simpático (Ativa): Ativa alterações fisiológicas que ocorrem durante as "respostas de luta ou fuga" (fight-or-flight responses). Prepara o corpo para situações de stress ou emergência.
Sistema Nervoso Parassimpático (Relaxa): Trabalha em parceria com o SN Simpático. Ativa as "respostas de descansar e digerir" (rest and digest responses). Traz o corpo de volta à homeostasia (equilíbrio) após as respostas de luta ou fuga.

Um diagrama ilustrativo do sistema nervoso periférico mostra as vias aferentes (sensoriais) que entram no SNC e as vias eferentes (motoras) que saem do SNC para os músculos, bem como a divisão do SNP em somático e autonómico, e as subdivisões simpática e parassimpática.

2. Organização Microscópica do Sistema Nervoso: O Neurónio e a Glia

Para compreender a função de um órgão, é fundamental entender a função das suas células individualmente e como elas se agrupam e trabalham em conjunto. No sistema nervoso, os elementos celulares essenciais são os neurónios e as células gliais.

2.1. Os Neurónios

Os neurónios são as células mais importantes do SN e as unidades de processamento de informação. Desempenham funções únicas na organização do cérebro:

Captação de alterações do ambiente: Detetam estímulos internos e externos.
Comunicação destas alterações a outros neurónios: Transmitem sinais elétricos e químicos.
Organização das respostas do organismo: Processam a informação para gerar reações apropriadas.
Comunicação destas respostas às respetivas alterações do meio: Enviam comandos para músculos e glândulas.

Esta capacidade de processamento e transmissão de informação é assegurada pela excitabilidade das células nervosas. A excitabilidade é a capacidade de responder com uma descarga elétrica (potencial de ação), de rápida condução (milissegundos) e de longa distância, quando suficientemente estimulados. A transmissão do sinal de um neurónio a outro ocorre nas sinapses.

Os neurónios são grandes consumidores de energia. Os vasos sanguíneos fornecem-lhes oxigénio e glicose, o seu nutriente exclusivo, e também drenam os produtos metabólicos resultantes do seu funcionamento.

2.1.1. Estrutura do Neurónio

Apesar da grande variedade de formas, cada neurónio pode ser descrito em relação a três partes principais:

Dendrites
Corpo Celular (ou Soma)
Axónio

Um diagrama detalhado de um neurónio mielinizado ilustra estas partes e os seus componentes internos e externos, incluindo as sinapses.

2.1.1.1. Corpo Celular (Soma)

O corpo celular é o centro metabólico do neurónio. É composto por um núcleo e por um fluido aquoso chamado citosol, que é uma solução salgada rica em potássio. A grande quantidade de estruturas membranosas dentro do soma são coletivamente chamadas de organelos. Os neurónios possuem os mesmos organelos que outras células, incluindo:

Núcleo: Contém o material genético.
Retículo Endoplasmático Rugoso (RER): Envolvido na síntese de proteínas.
Retículo Endoplasmático Liso (REL): Envolvido na síntese de lípidos e desintoxicação.
Aparelho de Golgi: Modifica, seleciona e empacota proteínas e lípidos.
Mitocôndrias: Produzem energia (ATP) para a célula.
Lisossomas: Contêm enzimas digestivas.

Todos os componentes presentes no interior da membrana celular, incluindo os organelos, mas excluindo o núcleo, são coletivamente referidos como citoplasma. Assim, o soma é composto pelo núcleo e pelo citoplasma.

No contexto da organização microscópica, o corpo celular e as dendrites constituem a massa cinzenta, enquanto os axónios formam a substância branca.

2.1.1.2. Dendrites

As dendrites são prolongamentos relativamente curtos que se estendem do soma, assemelhando-se a ramos de árvore. As dendrites de um único neurónio são coletivamente designadas por árvore dendrítica. A grande variedade de formas e tamanhos das árvores dendríticas é utilizada para classificar os diferentes grupos de neurónios.

As dendrites funcionam como uma "antena" para o neurónio, sendo o principal local de receção de informação (embora o soma e algumas regiões de axónios também possam receber informações). Estão recobertas por milhares de sinapses.

Pelas suas ramificações, as dendrites representam as relações que o neurónio tem com os outros neurónios, desempenhando um papel integrador. Oferecem pontos de contacto para os terminais axónicos, sendo uma região de receção, combinação, somação e regulação de entradas de informação.

A membrana dendrítica (pós-sináptica) apresenta muitas moléculas de proteínas chamadas recetores, especializadas na deteção dos neurotransmissores da fenda sináptica. O citoplasma das dendrites assemelha-se ao dos axónios, preenchido com elementos do citoesqueleto e mitocôndrias.

Algumas dendrites de neurónios estão cobertas por estruturas especializadas chamadas espinhos dendríticos (pequenas bolsas suspensas por fora dos neurónios). Estes espinhos delimitam diferentes reações químicas desencadeadas por certos tipos de ativação sináptica. A estrutura do espinho é sensível ao tipo e intensidade da atividade sináptica. As sinapses localizadas nas espinhas dendríticas são os principais locais excitatórios. O encéfalo de indivíduos com disfunções cognitivas tem mostrado alterações incomuns na estrutura dos espinhos dendríticos, e estas propriedades elétricas podem ser modificadas em processos de aprendizagem e envelhecimento.

2.1.1.3. Axónio

O axónio é um prolongamento que se estende do corpo celular e é responsável pela transmissão de informação. Apresenta comprimentos variáveis, podendo estender-se desde menos de um milímetro até mais de um metro de comprimento. Assegura tanto a comunicação a longa distância quanto a comunicação em milhares de circuitos locais. Os axónios enviam informações para outros neurónios, músculos ou glândulas.

Como as dendrites, o axónio pode ramificar-se em ramificações colaterais. Enquanto as dendrites representam o poder integrativo de um neurónio, os axónios representam o poder distributivo.

A velocidade em que o sinal elétrico – impulso nervoso – é transmitido ao longo do axónio varia conforme o seu diâmetro e a presença de mielina: quanto mais espesso e mielínico o axónio, mais rápido o impulso é transmitido. A eficiência da condução depende do bom isolamento elétrico fornecido pela bainha de mielina.

Normalmente, os axónios são únicos, mas podem ser duplos ou inexistentes (como nas células que comunicam pelas dendrites).

O terminal axonal ou botão terminal é o local onde o axónio passa a informação a outros neurónios (ou células) – a sinapse. Quando um neurónio estabelece contacto sináptico com outra célula, diz-se que ele inerva a célula. Certos axónios têm muitas ramificações nos seus terminais, e cada ramificação forma uma sinapse com outras dendrites ou somas. Estas ramificações são coletivamente chamadas de arborização terminal.

Os terminais axonais contêm vesículas sinápticas, que são cruciais para a transmissão do impulso nervoso.

2.1.2. Sinapses

As sinapses são as junções especializadas onde a informação é transferida de um neurónio para outro. A direção habitual do fluxo de informação é do lado pré-sináptico para o pós-sináptico.

O lado pré-sináptico é geralmente um axónio.
O lado pós-sináptico é uma dendrite ou o soma de outro neurónio.
O espaço entre as membranas pré e pós-sinápticas é chamado de fenda sináptica.
A transferência de informação através de uma sinapse é denominada transmissão sináptica.

Geralmente, a informação que viaja na forma de impulsos elétricos ao longo do axónio é convertida no terminal axonal num sinal químico que atravessa a fenda sináptica. Na membrana pós-sináptica, este sinal químico é reconvertido num sinal elétrico.

O sinal químico é chamado de neurotransmissor, sendo armazenado nas vesículas sinápticas do terminal axonal e libertado na fenda sináptica. Diferentes neurotransmissores são usados por diferentes tipos de neurónios.

Um diagrama de sinapse ilustra a célula pré-sináptica (terminal axónico) com vesículas sinápticas contendo neurotransmissores, canais de cálcio ativados por voltagem, a fenda sináptica, e a célula pós-sináptica com recetores de neurotransmissores (canais iónicos ativados por ligando).

2.2. As Células Gliais (Glia)

As células gliais são as células mais numerosas do SN, com um rácio de aproximadamente 9:1 em relação aos neurónios (cerca de 100 mil milhões de neurónios para 1000 mil milhões de células gliais). São fundamentais para o bom funcionamento dos neurónios, contribuindo para o seu "esqueleto", "apoio logístico" e "mecanismos de limpeza". Alguns neurocientistas consideram a glia o "gigante adormecido" das Neurociências, sugerindo que a glia contribui muito mais significativamente para o processamento das informações no encéfalo do que se pensa.

As funções gerais da glia incluem:

Proteção dos neurónios.
Isolamento contra substâncias nocivas (formando a barreira hematoencefálica).
Formação e manutenção de bainhas de mielina.
Função fagocítica na reparação de lesões do sistema nervoso.

Existem várias categorias de células gliais:

Astrócitos: São as mais numerosas. Preenchem o espaço entre os neurónios, asseguram os seus nutrientes cruciais, a mobilização dos iões e dos neurotransmissores, a produção de fatores neurotróficos e a "limpeza" do ambiente neuronal.
Oligodendrócitos: Produzem a mielina responsável pelo isolamento elétrico dos axónios no Sistema Nervoso Central (SNC).
Microglia: Têm funções imunológicas e agem como "macrófagos", removendo detritos celulares e patógenos.
Células de Schwann: Cruciais para a regeneração neuronal e para assegurar a elasticidade dos neurónios no Sistema Nervoso Periférico (SNP), produzindo mielina.
Células Ependimárias: Revestem os ventrículos cerebrais e o canal central da medula espinhal, produzindo líquido cefalorraquidiano.

Imagens microscópicas e diagramas ilustram a morfologia e a relação entre neurónios, astrócitos, oligodendrócitos e microglia, destacando a complexidade da rede celular no tecido nervoso.

2.3. Princípios Organizacionais do Sistema Nervoso

O SN opera com dois princípios organizacionais fundamentais: centralização e integração. Desempenha dois papéis cruciais:

Regulação: O SN reage de forma homeostática a estímulos externos ou internos. Avalia o seu significado a curto e longo prazo e gera atividade de resposta.
Iniciação: O SN atua de uma forma mais endógena e menos homeostática, substituindo um estado da atividade neuronal por outro, o que é fundamental para processos como a cognição e o comportamento voluntário.

3. Classificação dos Neurónios

Os neurónios podem ser classificados de diversas formas, dependendo do critério utilizado:

3.1. Classificação com Base no Número de Neuritos

Esta classificação baseia-se no número de axónios e dendrites que se estendem desde o soma:

Unipolar: Possui um único neurito que se estende do corpo celular.
Bipolar: Possui dois neuritos (um axónio e uma dendrite) que se estendem de polos opostos do corpo celular.
Multipolar: Possui mais de dois neuritos (geralmente um axónio e múltiplas dendrites). A maioria dos neurónios no SNC são multipolares.
Pseudounipolar: Possui um neurito que se divide em dois ramos, um funcionando como dendrite (recebendo informação) e outro como axónio (transmitindo informação). São tipicamente neurónios sensitivos.

Diagramas ilustram claramente as diferenças morfológicas entre estes tipos de neurónios.

3.2. Classificação com Base no Número e Forma das Dendrites

A árvore dendrítica dos neurónios multipolares pode variar muito, permitindo classificações adicionais:

Neurónios Piramidais: Têm um corpo celular em forma de pirâmide e são caracterizados por uma dendrite apical proeminente e múltiplas dendrites basais.
Neurónios Estrelados: Têm um corpo celular em forma de estrela e dendrites que se irradiam em todas as direções.

3.3. Classificação com Base na Presença de Espinhos Dendríticos

Os neurónios também podem ser classificados de acordo com a presença de espinhos dendríticos:

Espinhosos: Possuem espinhos dendríticos. Todas as células piramidais são espinhosas.
Não-espinhosos: Não possuem espinhos dendríticos. As células estreladas podem ser espinhosas ou não-espinhosas.

3.4. Classificação com Base nas Conexões (Função)

Com base no tipo de funções que o neurónio desempenha, distinguem-se:

Neurónios Sensoriais Primários (Aferentes): Trazem informações (aferências) ao sistema nervoso. As suas neurites estão nas superfícies sensoriais, como o corpo, a pele e a retina dos olhos.
Neurónios Motores (Eferentes): Apresentam axónios que formam sinapses com os músculos, comandando os movimentos.
Interneurónios: São a maioria dos neurónios do SN. Formam conexões apenas com outros neurónios, atuando como intermediários no processamento de informação dentro do SNC.

3.5. Classificação com Base no Comprimento dos Neurónios

Esta classificação distingue neurónios com base no comprimento dos seus axónios:

Neurónios do Tipo I de Golgi (ou Neurónios de Projeção): Possuem longos axónios que se estendem de uma parte do encéfalo para outra. As células piramidais são exemplos típicos.
Neurónios do Tipo II de Golgi (ou Neurónios de Circuito Local): Apresentam axónios curtos que não vão além das proximidades do corpo celular. As células estreladas são exemplos.

3.6. Classificação com Base nos Neurotransmissores

Os neurónios também podem ser classificados com base no neurotransmissor que libertam. Por exemplo, os neurónios motores que comandam os movimentos voluntários libertam o neurotransmissor acetilcolina nas suas sinapses. Estes neurónios são classificados como colinérgicos – um nome atribuído a todos os neurónios que libertam este transmissor em particular.

Neurociências: Funcionamento Neuronal e Transmissão Sináptica

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